Universidades federais só preenchem 34% das cotas para estudantes trans e travestis

Quatro das seis universidades federais com política de cotas para pessoas trans e travestis não preencheram mais da metade das vagas ofertadas para a ação afirmativa na última seleção, apesar de o número de inscrições ter superado esse quantitativo.

É o que revela um levantamento do jornal O Globo com base em estatísticas do Ministério da Educação, obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), e das próprias instituições. Somadas, as federais com essas cotas tiveram, em matrículas, o equivalente a apenas 34% das vagas abertas para a modalidade na edição mais recente do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Para especialistas, a dificuldade para preencher mais vagas pode ser explicada, principalmente, pela vulnerabilidade socioeconômica dessa população. Há, contudo, outros fatores, como a reprovação de parte dos candidatos pelas bancas que analisam a adequação à cota e até a forma como as estatísticas são contabilizadas.

Coordenador do Projeto Direitos Humanos e Educação e doutorando em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Jonathan Domingues diz que as barreiras para pessoas trans, travestis e não binárias acessarem as universidades são múltiplas e começam antes mesmo do vestibular. Ele destaca que há um funil social e educacional, que vai se “estreitando” desde o ensino médio:

“A evasão escolar entre pessoas trans e travestis é altíssima, resultado direto de violências, exclusões e humilhações cotidianas nas escolas. Quando falamos em acesso ao ensino superior, estamos falando de uma desigualdade que já se consolidou lá atrás”.

Uma pesquisa da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil) mostrou que 82% das pessoas trans entre 14 e 18 anos abandonam o ensino médio. O estudo, de 2017, é o mais recente disponível sobre o tema.

“Há obstáculos econômicos, psicológicos e simbólicos. O sentimento de não pertencimento e o medo do ambiente acadêmico também pesam. As universidades ainda são espaços muito cisnormativos”, frisa Domingues. “Há universidades pioneiras, mas ainda não existe uma política nacional robusta e articulada”.

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Itabuna (BA), foi a primeira instituição federal de ensino superior a criar política de cotas para pessoas trans e passou a ofertar vagas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas em 2018.

Apesar de pioneira, a universidade foi a que recebeu, entre as seis instituições, o menor número de inscrições (47) na última edição do Sisu, além de ter sido a que somou o menor número de matrículas — dois estudantes para 39 vagas.

A Unifesp foi a que recebeu o maior número de inscrições (819) e preencheu 75% das vagas abertas. Já a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), ofereceu o maior número de vagas, mas o resultado foi o inverso: só 30% delas se converteram em matrículas.

Nas demais instituições — Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), Universidade Federal do ABC (UFABC) e Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) —, esses percentuais são, respectivamente, de 22%, 50% e 15%. (Foto: Kleberson Bandeira/Divulgação).

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