Um estudo de longa duração realizado pelo Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (NEMA) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), sediado em Petrolina (PE), revelou dados inéditos sobre a flora da Caatinga. A pesquisa, desenvolvida no âmbito do licenciamento ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), maior obra hídrica do país executada pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), analisou informações e materiais biológicos coletados ao longo de mais de 15 anos, entre 2008 e 2023, cobrindo uma área de 56 mil km² do semiárido brasileiro.
Esse esforço resultou em um marco para a botânica da região: foram registradas 29 mil amostras e 1.610 espécies de plantas, das quais 173 são endêmicas e 16 estão ameaçadas de extinção. Também foram identificadas 284 novas ocorrências para a Caatinga, a descrição de duas novas espécies para a ciência e a contribuição para a caracterização de mais quatro. Segundo o estudo, houve um aumento de 240% no número de espécimes coletados e de 14% na riqueza de espécies conhecidas para a flora da Caatinga. Esses resultados não apenas ampliam a compreensão científica sobre um dos biomas mais ameaçados do Brasil, mas também reforçam a importância do licenciamento ambiental como ferramenta de produção de conhecimento e de preservação.
O biólogo e Gerente de Planejamento e Projetos do NEMA/Univasf, Edson G. Moura Júnior, destacou: “Este estudo mostra como o licenciamento ambiental é muito mais do que uma exigência burocrática: é uma ferramenta estratégica para conhecer e proteger a biodiversidade brasileira. Graças a ele, foi possível reunir dados inéditos sobre a flora da Caatinga, uma região rica, mas ainda pouco conhecida. No momento em que vemos tentativas de desmantelar o licenciamento ambiental no Brasil, como ocorreu com a recente aprovação da PL 2159 (chamada ‘Lei da Devastação’), é fundamental reafirmar sua importância. O licenciamento garante o equilíbrio do tripé da sustentabilidade econômica, social e ambiental, ao mesmo tempo em que salvaguarda o patrimônio natural brasileiro. Enfraquecer esse instrumento é abrir mão da possibilidade de um futuro que concilie desenvolvimento com conservação”.
O coordenador do NEMA/Univasf, professor Renato Garcia, também ressaltou a relevância do levantamento. “Os dados reunidos neste estudo são de valor inestimável para a ciência e para a sociedade. Eles nos permitem compreender melhor a diversidade vegetal da Caatinga e embasam decisões que podem garantir um desenvolvimento regional aliado à conservação. Este é um legado científico que demonstra a força da pesquisa associada ao licenciamento ambiental.”
O professor Daniel Salgado Pifano, coordenador do Centro de Estudos em Biologia Vegetal (CEBIVE) da Univasf e do Herbário do Sertão (HRSN/Univasf), que também assina o artigo, destacou a importância da integração entre instituições de pesquisa. “Este trabalho é um exemplo de como o esforço coletivo e interinstitucional pode gerar resultados robustos e transformadores. O acervo do Herbário do Sertão foi fundamental para validar e consolidar informações obtidas em campo, permitindo que o estudo alcançasse um nível de abrangência e detalhamento sem precedentes. Isso reforça a relevância dos herbários como guardiões da memória botânica e como base essencial para a conservação da biodiversidade.”
Os autores do artigo são Vinicius Messas Cotarelli; Edson Gomes Gomes de Moura-Júnior; Liliane Ferreira Lima; Andre Paviotti Fontana; Lorenna Campos Cruz; Renato Garcia Rodrigues; Daniel Salgado Pifano. O artigo com os resultados completos da pesquisa foi publicado na Biodiversity Data Journal e está disponível neste link: https://bdj.pensoft.net/article/159621/ .