Uma combinação perversa de fatores está corroendo, dia a dia, o poder de compra do brasileiro. Inflação e desemprego aceleraram e a renda continuou em queda — o pior dos mundos para qualquer trabalhador. O contingente de desocupados aumentou 67,5% em outubro no acumulado em 12 meses, período em que 771 mil pessoas perderam o emprego. Os salários daqueles que conseguiram permanecer no mercado de trabalho encolheram 7% em um ano, pressionados por um custo de vida 10,28% maior, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) calculado no período de 12 meses até novembro.
Os dados foram divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas não devem ter chegado aos ouvidos do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que estava ontem em Nova York, onde comentou, otimista, que a inflação começou a ceder — o que não é verdade, como mostram os números do instituto. Neste mês, o IPCA-15 atingiu 0,85%, o índice mais elevado desde 2010. O indicador mede as variações de preços entre os dias 15 de cada mês. De janeiro a novembro, a carestia já está em 9,42%, e nada indica que vai arrefecer, apontam especialistas.
Alimentos
Para o analista da Tendências Consultoria Márcio Milan, os dados foram suficientes para promover uma revisão na inflação anual de 2015. “Pela primeira vez, nossa estimativa passou para dois dígitos, de 10,3% neste ano”, destacou. Milan ressaltou que o avanço dos preços do grupo alimentos, de 1,05% em novembro, surpreendeu, e é exatamente o que mais compromete o orçamento das famílias. “A gente esperava um IPCA-15 de 0,65% e ele veio bem acima disso, sobretudo por conta da alta em produtos in natura, como o tomate, que subiu 15,23%, carnes e açúcar”, disse.
Quem vai ao supermercado se assusta. Até o fim do ano passado, R$ 700 eram suficientes para a bancária Viviane Lessa, 39 anos, encher o carrinho com as compras do mês. “Gasto o mesmo valor, hoje, mas levo metade dos produtos. Precisei abrir mão de consumir alimentos de que gosto para o principal caber no orçamento”, observou. “Olha o açúcar, por exemplo. Antes, estava em R$ 6, agora está o dobro”, surpreendeu-se a bancária. Ao observar a mesma prateleira, a comerciante Marli Vieira, 44, também não conseguiu conter a decepção. “Achei um absurdo e fui procurar em outros mercados. Mas está caro em todos”, lamentou. De acordo com o IPCA-15, o açúcar cristal aumentou 9,61% e o refinado 7,94%, apenas em novembro.
Recessão
Como se não bastasse pagar mais por tudo, os brasileiros ainda estão perdendo o emprego e ganhando menos. Em outubro, a desocupação ficou em 7,9%, a mais alta desde agosto de 2009 — quando o índice ficou em 8,1% —, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE. Para o mês, foi a maior taxa em oito anos. De setembro para outubro, 60 mil pessoas encorparam o grupo de desocupados, que ficou em 1,9 milhão, uma alta de 3,2%.
Enquanto isso, a quantidade de pessoas empregadas caiu. No mês passado, eram 22,4 milhões de pessoas. Em relação a setembro, houve recuo de 230 mil, queda 1%. Na comparação com o mesmo período de 2014, foram 825 mil desligamentos, uma contração de 3,5%. Com os dois movimentos, que tendem a se intensificar, será inevitável que a desocupação continue avançando, avaliou o professor de economia Carlos Alberto Ramos, da Universidade de Brasília (UnB).
“As demissões estão aumentando e não há vagas para todos. O empresário não vai manter o mesmo quadro de pessoal com um país em recessão e, naturalmente, faltarão oportunidades”, avaliou. Além disso, sem trégua da inflação, muita gente que estava fora do mercado passará a procurar emprego para manter a renda familiar, o que também vai contribuir para pressionar a taxa de desocupação.