O presidente eleito Jair Bolsonaro anunciou anteontem que enviará o futuro ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, a Israel, onde vai aprender sobre dessalinização – ou seja, transformar água salgada em potável. Entretanto, Pernambuco já dessaliniza desde 1988. São 185 desses sistemas no Estado. Há preocupação com os resíduos do processo, que libera água muito salobra e precisa ser descartada corretamente. Mas, até para isso, especialistas brasileiros já descobriram uma solução.
A dessalinização se tornou política pública nacional em 2004, com o Programa Água Doce (PAD), que investia no sistema para comunidades de baixa renda. Não se perfura somente um poço porque a água no subsolo é salobra. “Setenta por cento do solo do Nordeste tem uma geologia de cristalino. Isso significa que, quando a água cai ali, ela se mineraliza”, explicou o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco João Suassuna.
De acordo com Suassuna, havia dois problemas principais com o projeto, cujas soluções já foram descobertas. “O primeiro problema era o do equipamento, que era importado e encarecia muito a manutenção dos sistemas. Mas a Universidade Federal de Campo Grande (UFCG) já desenvolve as membranas filtrantes, e ela está na Paraíba”, mostrou. As membranas são necessárias para realizar a osmose reversa, tecnologia de dessalinização utilizada tanto no Nordeste quanto em Israel.
“O segundo problema era o do resíduo da dessalinização. Uma água com muito sal concentrado. Antes era um problema ambiental, mas a Embrapa encontrou a forma de resolvê-lo. A água é utilizada em plantações de halófilas, como os coqueiros, e em criações de tilápias e camarões.” Em Riacho das Almas, no Agreste, o rejeito ainda está sendo armazenado em tanques. Mas o projeto em andamento é o de criar tilápias e colocar o filé na merenda escolar municipal.
“Aqui, a única opção de muita gente é a água dessalinizada. São 13 mil litros por hora em 17 pontos longínquos da Zona Rural e dois no Centro. Se não fosse isso, andariam dois ou três quilômetros para encher potes em um riacho de água salobra”, contou o diretor de Recursos Hídricos da cidade, Naelson Beserra. Riacho das Almas recebeu o primeiro dessalinizador do Estado, em 1988, no Governo de Miguel Arraes. E o primeiro a funcionar com energia solar, em 2015. A energia utilizada nos dessalinizadores é um problema.
Para cada mil litros, utiliza-se o equivalente ao consumo de uma casa com três quartos. No total, o Estado conta com 185 sistemas, de acordo com a Secretaria de Recursos Hídricos de Pernambuco. “Cada um é capaz de suprir a demanda de 30 famílias que vivem em locais distantes do Centro, em comunidades de baixa renda”, demonstrou o gerente geral de Infraestrutura de Recursos Hídricos, Amarílio Cabral. O custo para implantar a unidade é de cerca de R$ 80 mil. De acordo com Amarílio, o projeto de dessalinização se limita às comunidades, não sendo utilizado para a agricultura, por uma questão de verbas e infraestrutura.
“A oferta dos poços não é tão grande e a água sai cara. O mar nós já dessalinizamos em Noronha, numa escala industrial, por exemplo. Mas estamos falando de uma ilha. Levar essa água para o interior seria necessário um grande investimento em infraestrutura.” Mil litros de água dessalinizada saem por um dólar, segundo o engenheiro agrônomo João Suassuna. Para ele, não é uma boa opção utilizá-la na agricultura. “Também já existe solução para suprir a água que deveria ser utilizada em plantações, que é o Cisterna Produtiva, que capta água de enxurradas. Seria necessário apenas aumentá-lo”, conclui.
Modificar o projeto de dessalinização em vez de levar em frente e melhorar o que já existe preocupa a ex-secretária executiva de Recursos Hídricos do Estado, Alexandrina Sobreira. Ela ocupava o cargo quando o PAD foi lançado. “No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso recebemos dados de muita hipertensão infantil em Vertente do Lério, no Agreste, devido à salinidade da água dos poços. Só em 2004 foi lançado o PAD. Ou seja, uma política pública demora para se instalar e fazer efeito. Se já temos tecnologia para realizar a dessalinização, procurar fora do País é uma perda de dinheiro e de tempo. Enquanto isso, as pessoas adoecem, morrem”, criticou. (FolhaPE)