Chegada a hora da conciliação para o próximo presidente

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A despeito do acirramento ideológico entre os eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), o próximo presidente da República precisará lidar com desafios reais que nada têm a ver com a celeuma entre “fascistas” e “comunistas”, que dominou o debate eleitoral nos segundo turno.

A conciliação será o ingrediente fundamental do escolhido para comandar o Palácio do Planalto em 2019, na construção de uma governabilidade urgente que ajude a tirar medidas do papel. Apesar da retórica de campanha ter dominado “mentes e corações”, o futuro chefe do Executivo será exigido a dar respostas efetivas para a retomada do crescimento econômico, sob o risco de ter sua base de sustentação desidratada e de os palanques permanecerem armados diante de algum impasse.

Em larga medida, Bolsonaro e Haddad estimularam essa defrontação vivenciada na corrida presidencial. A presença de elementos ideológicos nos planos de governos sinaliza claramente a profundidade da divergência entre lulistas e bolsonaristas. O ex-ministro da Educação consagra parte das suas propostas a desfazer malfeitos de adversários políticos. Já o capitão reformado atribui ao PT e correntes esquerdistas um legado de “ineficiência e corrupção”.

Na prática, se apropriando da leitura do cientista político Steven Levitsky, ambos acabam considerando o oponente como “ameaça existencial à normalidade democrática”, algo que, por si só, atenta contra os princípios republicanos. Para que o Estado funcione, é necessário haver autocontrole, da parte dos atores políticos todos, e tolerância mútua entre governistas e oposicionistas.

O sociólogo Celso Rocha de Barros exemplifica que são violações a essas regras de boa convivência a tentativa de pintar o PT como uma conspiração antidemocrática a serviço do Foro de São Paulo, ou a propaganda petista, em 2014, para acusar Marina Silva (Rede) de querer “tirar a comida da mesa dos trabalhadores” quando esta defende autonomia ao Banco Central.

Precedentes à parte, Bolsonaro e Haddad fizeram bem esse “anti-jogo” durante a campanha, em abordagens superficiais acerca do “kit gay” do petista e da “apologia à tortura” do pesselista. As acusações de “comunistas contra fascistas”, dotadas de alarmismo, só levaram o debate para um campo moral, que toca o emocional dos eleitores, sem penetrar o âmago das necessidades do País.

Um relatório produzido pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) em janeiro desse ano aponta que, entre as maiores preocupações da população estão o desemprego, a corrupção, a saúde e a segurança pública, além do alto custo de vida. Entre as prioridades para 2019, os brasileiros cobraram por melhoria nos serviços de saúde, aumento do salário mínimo, controle da inflação, redução de impostos, geração de empregos e ampliação dos programas de combate à pobreza. Segundo analistas, é em cima desse debate que os presidenciáveis precisariam convergir, trazendo propostas com a implementação explícita. É nessas questões que o futuro governante deverá se deter.

A cientista política Priscila Lapa aponta que, para implementar políticas públicas de qualquer natureza, o governante precisa, antes, assegurar sua governabilidade dialogando com o Congresso e dificilmente alcançará maioria se o Legislativo, assim como a sociedade, continuarem tensionados.

“Vivemos o histórico presidencialismo de coalizão. Os candidatos passam a campanha criando expectativa na sociedade de que certas linhas de atuação vão acontecer, mas sem maioria, eles não irão adiante. É natural que, com a eleição muito polarizada, emocional, exista uma pressão popular sobre o próximo presidente.”

Há uma necessidade latente de retomar a confiança de investidores na economia brasileira, o que força o próximo presidente a adotar uma política de controle de gastos que passa necessariamente pelas reformas tributária e previdenciária. O presidente, segundo a especialista, passa a maior parte do tempo se dedicando a questões econômicas e de relações exteriores, que nada se parecem com as controvérsias ideológicas.

“É preciso amenizar os efeitos da crise, dar um desfecho a agendas mal resolvidas, como a da greve dos caminhoneiros, ter uma visão nova sobre a Petrobras, na relação comercial com outros países”, exemplifica. O prolongamento desse cenário de “terra arrasada”, conclui a pesquisadora, não interessa a ninguém. (Folha PE)