A polêmica gerada pelas estátuas Mãe D’água, que seria uma representação da entidade Iemanjá, e do Nego D’água, que tiveram remoção pedida por dois pastores de Petrolina caminha para o desfecho junto ao Ministério Público Federal. E, ao que tudo indica, por enquanto, nenhuma das duas deve ser retirada do leito do Rio São Francisco, onde foram dispostas há quase quatro anos.
A iniciativa dos pastores Jorge Ancelmo Alves de Albuquerque e José Kenaidy Ferreira de Amorim indicavam quatro supostas irregularidades – três das quais não encontraram respaldo. A primeira delas foi de que ofereceria risco à navegação local, o que não foi confirmado pela Capitania dos Portos, em ofício, que não vincula as obras a qualquer risco às embarcações. A segunda, de que haveria apropriação indevida de verbas públicas, foi descartada pela procuradoria da República, uma vez que foi verificado que não houve qualquer tipo de verba pública federal na instalação dos monumentos – a provocação, no entanto, foi passado ao Ministério Público de Pernambuco, a quem caberia qualquer ação que envolvesse má administração de recursos públicos estaduais ou municipais.
As informações são da procuradora da República responsável pela investigação, Polireda Madaly Bezerra de Medeiros. “Os outros pontos são possíveis danos ambientais e a questão da laicidade do estado. Como não podemos decidir sobre a questão ambiental sem aval de especialistas, dois técnicos nossos estão fazendo a verificação, iniciada em janeiro e que, normalmente, dura cerca de dois meses. Em caso de impacto no rio, teríamos que intervir”, explica.
Quanto à laicidade, o MPF ouviu parte da população e deu conta que a Mãe D’água e o Nego D’água fazem parte do imaginário folclórico, como lendas regionais, muito além de possíveis representações religiosas. “Mesmo que tenha a ver com a religião, o papel do estado não seria de censor. Ele é laico, mas suporta a multiplicidade de credos. Ao pé da letra, não teríamos panfletagens católicas ou espíritas nas ruas, por exemplo, que são públicas. Normalmente, o entendimento do judiciário segue esse princípio”, defende, dizendo, no entanto, que o posicionamento final será divulgado apenas em última instância, quando todos os pareceres técnicos forem disponibilizados.
A polêmica envolvendo o Rio São Francisco excede os limites geográficos do estado. Na nascente do Velho Chico, em Minas Gerais, por exemplo, há uma estátua do santo, assentada há 40 anos, que seria retirada, segundo plano de manejo de 2005 para expansão do Parque Nacional Serra da Canastra, onde ela se encontra. A disputa se arrasta na Justiça e em outubro de 2015, uma liminar impediu que a mesma fosse retirada do parque. Estuda-se, no entanto, a mudança de local da estátua para uma margem, uma vez que foi atestada que ela poderia interferir no curso da água.
A mudança no caso mineiro, assim como o que deve ocorrer em Pernambuco, depende apenas de laudos ambientais. Segundo os pastores evangélicos que propuseram a iniciativa “mãe” do Procedimento Preparatório, a preocupação era, de fato, com o Meio Ambiente, ainda que a questão da laicidade seja um componente decisivo de toda a ação, até desencorajada pelo grupo de pastores locais, mas levada à frente enquanto incômodo pessoal dos dois denunciantes sob a alegação do bem coletivo.
Resta saber se uma terra com bairros batizados de João de Deus, Cosme e Damião, Dom Avelar ou mesmo em homenagem aos santos Paulo, José, Gonçalo e Luzia será berço de onde a Justiça entende que alguns vocativos têm mais peso que outros, removendo uma suposta Iemanjá de um rio cujo nome, pela mesma lógica, sequer poderia se manter São Francisco… (Curiosamente).