Quem acha que já está pagando demais pela conta de luz pode se preparar: mais aumentos estão a caminho. Completamente desestruturado desde 2013, quando a presidente Dilma Rousseff interveio no mercado com a Medida Provisória 579, hoje convertida em lei, o setor elétrico amarga prejuízo gigantesco, estimado em R$ 70 bilhões, e passa por um processo de judicialização sem precedentes. Os problemas se multiplicam, sem que o governo federal encontre solução para os impasses. O ônus dessa incapacidade, será, como sempre, transferido para os consumidores na forma de reajustes nas tarifas.
Entre os imbróglios do setor, está a dívida acumulada da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial que serve para custear programas especiais, como a universalização do acesso à energia, e a estimular fontes alternativas. O montante saltou de R$ 1,6 bilhão para R$ 22,9 bilhões porque alguns agentes estão conseguindo liminares na Justiça para não pagar parte dessa conta. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) foi a primeira a conseguir o direito provisório de não obedecer à regra segundo a qual os grandes consumidores pagariam uma parcela maior do que residências e comércios.
A indústria não quer arcar com os subsídios da CDE — que antes eram bancados pelo Tesouro Nacional e passaram a ser divididos entre todos os consumidores. Com a judicialização, o rateio pesa mais na conta de luz dos brasileiros. Para piorar, empresas estão, individualmente, conseguindo liminares. “Como é um rateio, quem não é beneficiado por liminar acaba pagando mais”, diz Paula Campos, gerente de Consultoria e Gestão do Grupo Safira Energia. “Dois terços da CDE são subsídios causados por decisões políticas”, emenda.
O presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, explica que, com as liminares, os consumidores residenciais perderam o alívio que tinha sido dado a eles pela MP 579. “Na prática, representa um aumento”, diz. Já o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, ressalta que as concessionárias pagam antecipadamente a parcela maior do rateio. “As empresas só recebem a correção de tarifas na revisão anual, quando repassam o valor para os consumidores. Isso gera um descasamento de caixa de R$ 10 bilhões”, revela. Por conta disso, a Abradee entrou com um mandado de segurança para se livrar dos efeitos das liminares. “O resultado ainda não saiu”, assinala.
Segundo Nelson Leite, os R$ 22,9 bilhões em dívidas da CDE são referentes a restos a pagar de 2014, a cerca de R$ 4 bilhões de riscos hidrológicos da hidrelétrica de Itaipu e também a R$ 13 bilhões que o Tesouro deixou de aportar no setor. Ele alerta que a desvalorização cambial aumentou o rombo. A energia de Itaipu é paga em dólar. Mesmo que a distribuidora desembolse quase R$ 4 por dólar para comprar energia da usina, seu contrato de câmbio é de R$ 2,80. No entanto, ela precisa esperar pelo reajuste anual para resolver o desequilíbrio. “A solução é postergar outros pagamentos ou pedir nova revisão tarifária extraordinária (RTE)”, esclarece. Essa conta também vai acabar no colo do consumidor.
Este ano, a Aneel já concedeu uma RTE para reajustar as tarifas de forma que as distribuidoras pudessem arcar com o rateio da CDE. “Não há limitação para revisões extraordinárias. Se houver desequilíbrio econômico, é possível pedir uma nova. Está previsto em contrato”, alerta. Leite também explica que o artigo 19 da Lei 12.783, decorrente da MP 579, que desarranjou o setor elétrico, prevê que a variação cambial de Itaipu deveria ser neutralizada e repassada ao Tesouro. No entanto, isso nunca foi regulamentado. (DP).