A Assembleia Legislativa de Mato Grosso contratou uma empresa de fachada para realizar uma auditoria nas obras realizadas em Cuiabá para a Copa do Mundo de 2014. A contratação foi encomendada pelo deputado Oscar Bezerra (PSB), presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instaurada para apurar os indícios de corrupção nas empreitadas.
Orçadas inicialmente em R$ 11 bilhões, as obras planejadas para a Copa em Cuiabá estouraram em muito o orçamento e o cronograma, além de apresentarem irregularidades e suspeitas de corrupção. Apenas em uma delas, de um sistema de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), há suspeita de desvios de cerca de R$ 100 milhões.
A CLS Consultoria assinou um contrato de R$ 973 mil com a Assembleia após a própria procuradoria geral da Casa dar parecer contrário à contratação. A empresa foi aberta no dia 16 de janeiro de 2012 e suas instalações resumem-se a uma sala comercial em uma casa na rua 12 de Outubro. No mesmo imóvel funcionam, teoricamente, mais oito empresas, todas de consultoria ou contabilidade, mas nenhuma placa ou sinalização está presente na fachada. Na Prefeitura de Cuiabá, consta uma dívida de IPTU de mais de R$ 20 mil vinculada à matrícula do imóvel.
SEM CAPITAL, SEM EMPREGADOS E SEM REGISTRO
Segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais) informada ao Ministério do Trabalho , a CLS declara que jamais esteve em atividade desde a data de sua abertura.
As guias de recolhimento da empresa até fevereiro de 2015 informam o código 115 -ausência de fato gerador/sem movimento. Em outras palavras, a empresa não estava em atividade antes de sua contratação pela Assembleia. A Rais evidencia que a empresa jamais teve um funcionário registrado desde sua abertura.
Em que pese a CLS ter sido contratada para a prestação de serviços na área de engenharia, a empresa não possui registro no Crea (Conselho Regional de Engenharia), o que a inabilita a realizar quaisquer serviços na área e previstos notermo de dispensa de licitação que balizou a contratação da consultoria.
Na data da contratação, a CLS seria inapta tecnicamente para a prestação dos serviços previstos. O presidente da CPI, deputado Oscar Bezerra, foi informado, mas nada fez a respeito. A ausência de registro da empresa no Crea já foi objeto de questionamento do Crea.
As fragilidades da empresa fantasma não param por aí. A análise do balanço patrimonial da CLS evidencia que seu capital social é de apenas R$ 15 mil, correspondente a 1,5% do valor global da contratação.
Nas concorrências públicas realizadas com amparo na Lei de Licitações exige-se que a empresa possua capital social ou patrimônio líquido mínimo de 10% em relação ao valor global estimado da contratação. Empresas que não satisfaçam tais exigências, em geral, são consideradas inaptas.
No balanço não há registros de clientes, bens móveis ou disponibilidades financeiras em bancos. O único valor registrado consta de conta na Caixa Econômica Federal no valor de R$ 15.868,80.
A empresa CLS informou obtenção de R$ 52.850,29 em serviços prestados em 2014. Essa receita pode ser considerada irrisória frente ao valor global da contratação, de R$ 973.347,74.
Na prática, a CLS foi contratada para executar em 130 dias um contrato que possui valor global 18 vezes maior do que o total supostamente faturado pela empresa ao longo de 2014.
ESCOLHA ARBITRÁRIA
A CLS foi contratada com dispensa de licitação, mas a Assembleia não é livre para escolher a empresa que quiser para realizar o trabalho. O órgão público é obrigado a realizar uma pesquisa de mercado para balizar o valor de contrato, mas isso não foi feito.
Questionado pela Procuradoria da Assembleia, o presidente da CPI ignorou os alertas. “A CLS atende plenamente os requisitos de habilitação, e conforme documentos apresentados pela referida empresa, pudemos denotar que a empresa possui condições específicas, necessárias e suficientes para o desempenho dos serviços sob a égide desta Comissão Parlamentar de Inquérito”, respondeu ele em ofício.
Nesta terça-feira (9), o parlamentar criticou a iniciativa do Ministério Público para anular o contrato com a empresa. “Preciso entender se a intenção é paralisar a CPI. Se essa for a intenção, tem que ter coragem de convocar a mídia e dizer. Eu acredito que possa ter um boicote nisso tudo”.
A Promotoria afirmou que está investigando a contratação, considerada “muito suspeita”, e que tomará medidas jurídicas cabíveis nas próximas semanas. (Jc).